Jorge dos Santos Arruda, o Arruda.
- Pablo Brandão
- May 9
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Jorge dos Santos Arruda, nascido em 10 de novembro de 1958, foi um líder comunitário pioneiro do trabalho social no Morro de Mangueira, onde construiu uma trajetória marcada por lutas sociais, afeto e compromisso coletivo. Filho de Claudionor Arruda e de Iracy dos Santos, histórica integrante da Ala das Baianas da Estação Primeira de Mangueira, Jorge nasceu e cresceu na Candelária, sublocalidade do Complexo de Mangueira, que inclui ainda Buraco Quente, Morro do Telégrafo, entre outras áreas. O Morro de Mangueira é reconhecido internacionalmente pela força cultural da sua escola de samba, mas também marcado por profundas desigualdades sociais.
Desde cedo, Jorge enfrentou grandes desafios familiares. Seu pai, Claudionor, que era bombeiro hidráulico e mestre de obras, abandonou a família durante a gestação da filha caçula, Jupira. Apesar de possuir inicialmente um patrimônio relevante, Claudionor passou por severas dificuldades financeiras, chegando perto de se tornar morador de rua. Sua reintegração familiar foi viabilizada pela intervenção de Jupira, com apoio decisivo de Jorge. Claudionor faleceu em 1998.
Após o abandono paterno, a família estruturou-se em torno da figura matriarcal de Dona Iracy, mulher batalhadora que sustentava o lar como lavadeira, cozinheira e empregada doméstica. Inicialmente, recebeu o apoio financeiro do primogênito, Cláudio dos Santos Arruda, seguido pelos demais irmãos: Wilson, Áurea, Jurema, Erinéia, Jorge e Jupira. Jorge se destacou especialmente no suporte financeiro à família, ajudando muito suas irmãs Áurea e Erinéia, ambas mães solo.
Jorge iniciou seus estudos na Escola Olímpica do Couto, situada no Morro de Mangueira. Posteriormente, concluiu o ensino básico por meio de cursos supletivos (modalidade destinada a adultos que não completaram a educação básica na idade regular), cursando o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, localizado na Rua 8 de Dezembro em Vila Isabel, e posteriormente o Colégio Maria Imaculada. Sempre considerado um aluno exemplar, Jorge aprimorou-se profissionalmente através de cursos técnicos, ingressando inicialmente em uma empresa de publicidade. Seu desempenho o levou ao Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, onde aprofundou sua militância sindical na luta por melhores salários e direitos trabalhistas.
Nos anos 1980, Jorge integrou o grupo fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) no Morro de Mangueira e no Rio de Janeiro. Neste período, estabeleceu relações importantes com líderes partidários, tais como Luiz Sérgio (ex-prefeito de Angra dos Reis e deputado federal), Adilson Pires (ex-vice-prefeito e vereador por três mandatos no Rio), Marcelo Sereno (dirigente do PT carioca), e o Babalawô Ivanir dos Santos, destacado líder das religiões de matriz africana, com quem participou ativamente em campanhas políticas. Jorge ainda manteve parcerias relevantes com lideranças comunitárias como Chiquinho da Mangueira (Deputado Estadual e Superintendente do programa social da Mangueira), e Paulo Ramos, dirigente histórico da escola de samba.
Herdou de Dona Iracy o amor pela Estação Primeira de Mangueira. Sua mãe integrou a Ala das Baianas entre 1978 e 1996, iniciando sua trajetória no cinquentenário da escola e se despedindo no desfile "Os Tambores da Mangueira na Terra da Encantaria". Jorge e seus irmãos desfilaram durante muitos anos, sempre vestindo as cores verde e rosa com orgulho. Jorge cultivou amizades com importantes figuras da Mangueira, como Alice de Jesus Gomes Coelho (Tia Alice), fundadora do CAMP Mangueira e uma das idealizadoras da Vila Olímpica da Mangueira, figura proeminente no mundo do samba e na atuação social, além de Ivo Meirelles, compositor e ex-presidente da escola, e Guanayra Firmino, atual presidente. Com a crescente elitização do carnaval e a redução da participação popular nos desfiles, Jorge afastou-se fisicamente dos eventos, mas nunca perdeu sua forte ligação afetiva com a escola.
Entre os anos de 1984 e 1989 Jorge Arruda foi o presidente da Associação de Moradores da Candelária, a AMOC, atualmente integrada a Associação de Moradores do Complexo de Mangueira, sua gestão foi marcada por intenso diálogo com os moradores e intensa e forte luta para se conseguir água canalizada.
A militância comunitária e o compromisso com a luta racial foram potencializados após o histórico desfile da Mangueira em 1988, ano do centenário da abolição da escravatura. O enredo "100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão?", idealizado pelo carnavalesco Júlio Mattos, trouxe questionamentos contundentes sobre a verdadeira condição do negro pós-abolição. Os versos do samba-enredo de Jurandir da Mangueira, Hélio Turco e Alvinho: "Será que já raiou a liberdade, ou se foi tudo ilusão? Será que a Lei Áurea há tanto tempo assinada não foi o fim da escravidão?" e "Livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela", inspiraram Jorge Arruda e seu grupo de amigos a fundar, no dia 13 de maio de 1988, o embrião do que viria a ser a ÁFRICA. Inicialmente, esse grupo ofereceu aulas de reforço escolar e palestras sobre cidadania e direitos humanos.
Em primeiro de junho de 1992, Jorge fundou o Centro Cultural da Candelária (CECUCA), pioneira dedicada à defesa dos direitos sociais, da arte e da cultura como ferramentas de transformação social. O CECUCA administrou abrigos e creches municipais e realizou programas como o Jovem Aprendiz dos Correios, além de firmar parcerias estratégicas com entidades como o Instituto C&A. Ainda na década de 1990, Jorge assumiu a presidência da Associação de Moradores da Candelária. Após problemas administrativos e financeiros, o CECUCA teve seu CNPJ baixado. Em 2006, entretanto, Jorge participou da criação da Agência Facilitadora para Investimentos Culturais – ÁFRICA, dando continuidade ao seu legado, na luta contra o racismo estrutural fruto da herança escravocrata brasileira que perdurou por quase 400 anos no que convencionamos chamar hoje de Brasil.
Entre os principais projetos realizados por Jorge destaca-se o "Clubinho, Reunião e Lazer", desenvolvido em parceria com a Fundação Bento Rubião, que durou mais de dez anos. Outra colaboração importante foi com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), trazendo inúmeros benefícios sociais e educativos para Mangueira.
Outro projeto marcante foi a criação da Cooperativa dos Amigos da Alcoa, que resultou na doação de um prédio da antiga fábrica de alumínio da Mangueira para atividades culturais comunitárias. Contudo, divergências internas ocorridas durante o processo levaram Jorge a se afastar definitivamente da militância política na comunidade.
De religiosidade plural, Jorge foi criado na Umbanda, frequentando também o Candomblé e missas católicas. Mesmo após a conversão de Dona Iracy ao evangelismo, prevaleceu o respeito no convívio familiar. Conhecido pelo temperamento calmo e equilibrado, ele aprendeu com sua mãe a enfrentar dificuldades com serenidade.

Nos últimos anos de sua vida, buscando tranquilidade e após desgastes políticos e emocionais, Jorge mudou-se para Santa Margarida, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio.
Jorge Arruda faleceu no dia 21 de dezembro de 2010, vítima de anemia falciforme, doença hereditária predominante na população negra. Sua morte ocorreu justamente no dia em que sua irmã Jupira completava 25 anos de casamento – ela que sempre o considerou grande amigo, parceiro e confidente. Sua partida foi profundamente sentida por toda a comunidade mangueirense.
Amante do futebol, Jorge frequentemente jogava com amigos na Quinta da Boa Vista, onde criou laços com os vendedores ambulantes. Com dedicação, conseguiu cadastrá-los na prefeitura, regularizando a situação de muitos trabalhadores informais.
Em 2024, quatorze anos após seu falecimento, Jorge Arruda foi homenageado pela ÁFRICA, através do projeto Museu a Céu Aberto de Mangueira (MuCéu), com um mural artístico em grafite na Rua Visconde de Niterói, valorizando sua memória e legado, bem como a identidade e autoestima dos moradores.
Sua trajetória é símbolo da força e da coragem de uma geração dedicada à luta por dignidade, igualdade racial e justiça social, deixando um legado vivo em Mangueira.
Link:
Veja o Verbete de Jorge Arruda no Dicionário de Favelas Marielle Franco:
Autor: Pablo Brandão
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